quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

RESENHA - CLUBE DA INSÔNIA



Nota: 8,0

O nome dele de batismo é Luis Guilherme Brunetta Fontenelle de Araújo, porém nem ele mesmo deve se lembrar desse nome. Conhecido como Tico Santa Cruz, ganhou destaque a partir de 2002, a frente da banda de rock Detonautas Roque Clube, com canções com apelo pop, parecia ser mais uma banda voltada ao sucesso comercial, com um som voltado à trilhas de seriados como Malhação e afins.

No entanto, desde o princípio Tico se mostrava um artista que ia além do conteúdo raso característicos dos outros artistas de sua geração. Além de demonstrar desde sempre enorme admiração pelo mundo literário, o cantor possuía um blog, o Clube da Insônia, no domínio Blogspot (atual Blogger), que devido ao sucesso acabou migrando para a Globo após alguns anos. Em seu blog, Santa Cruz demonstrava fluidez em seus textos, ora angustiados, ora esperançosos, mas sempre transmitindo muita humanidade, outro fator dificilmente demonstrado por artistas atuais, que mais parecem dondocas paparicadas 24 horas por dia. A evolução da qualidade dos textos de Tico é notável, resultado do amadurecimento do cantor, que quando apareceu na grande mídia tinha seus vinte e poucos anos e hoje com trinta e poucos se mostra mais seguro e firme em suas colocações.

O livro, intitulado com o nome de seu blog, trata-se de uma compilação de alguns de seus melhores textos escolhidos por ele, pelos leitores e pela Editora Belas Letras, que encabeçou o projeto. O livro é dividido em duas partes, sendo a primeira com textos mais voltados ao dia-a-dia, num tom mais leve, porém sempre ácido e questionador, com um estilo de escrita agressiva, inspirado claramente no cinema de Tarantino e autores como Chuck Palahniuk (de Clube da Luta). A segunda parte traz textos com mais revolta, protestos e angústia por parte do autor, características também marcantes nos textos do músico e agora, escritor. Vale destaque também, as sensacionais ilustrações feitas por Carlinhos Muller, arte linda, criativa e que retrata exatamente o que o texto diz.

Entre os textos, destacam-se “Eu e Ela”, em que o autor tem uma discussão intensa com sua consciência; a simplicidade de “Das coisas que mudam o mundo”, onde é descrito detalhadamente o processo de depilação do autor com uma simpatia ímpar; “Paz.exe” em que o autor critica, numa linha meio Tropa de Elite, as manifestações em busca de paz; “A visão do gato” traz um texto do gato do cantor e suas impressões do mundo que o cerca; e o genial “Agraciado estava...” que mostra um cidadão padrão que se contentava com o pouco que tinha e morre vítima de assalto num ônibus. Além desses, há textos rimados, que podem ser considerados poesias, como “Sonho de Astronauta”, por exemplo. Tico mostra talento entre textos mais recentes e antigos, ainda sobrando espaço para críticas à imprensa e a forma que se cobre o mundo das celebridades em “Direto da redação” e à política em “Senado Finado”.

Tico nunca escondeu sua paixão pela literatura, fato que com certeza o auxilia na construção e destreza que usa para desenvolver suas teses e linhas de raciocínio, sempre com passagens e frases marcantes, sendo alguns textos puros devaneios, outros relatos rotineiros, outros mergulhos densos numa personalidade confusa, usando de situações e impressões que todos temos, porém na maioria das vezes não conseguimos traduzir de forma tão linear.

Vale ressaltar que o músico traz consigo uma legião de seguidores em redes sociais, sendo a maioria deles jovens, que através de Tico tem acesso aos mais variados assuntos e discussões sociais, que não teriam envolvimento ou sequer conhecimento não fosse o cantor. Essa função social foi outrora muito incentivada por artistas da década de 80, por exemplo, no entanto hoje em dia, parece ser mais fácil se esconder atrás de uma embalagem pop descartável e concordar com tudo para não se comprometer com nada, nem ninguém e seguir tocando no especial de fim de ano da Globo.


Goste ou não do cara, é preciso reconhecer que o garoto que cantava “Quando o Sol se for” dez anos atrás amadureceu e se tornou um homem com postura e sabedoria. Um artista que se posiciona diante de questões sociais e se envolve, não se acomodando diante do senso comum ou do mundo fútil que rodeia as celebridades.

Meu total respeito e admiração ao Tico Santa Cruz.







David Oaski


Um comentário:

  1. Parabéns pela resenha, é com certeza muito valioso esse texto, pois mostrou uma faceta diferente de um artista que faz parte do pop rock nacional, no qual muita vezes, seu talento é ignorado devido ao forte pre-conceito.

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