quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

RESENHA: A TODO VOLUME



Nota: 8,0

A Todo Volume (título original “It Might Get Loud”) é um documentário lançado em 2009, que tem como tema central o profundo envolvimento de três artistas com a guitarra, sendo eles Jimmy Page (Led Zeppelin), The Edge (U2) e Jack White (White Stripes, Raconteurs e carreira solo).

O intuito do documentário é elucidar toda a mística que envolve o instrumento e a paixão que o mesmo desperta em todos que a empunham. Mostra desde o início do interesse de cada um pela guitarra e seus atrativos, até suas preferências por sons, como desenvolveram seus estilos de tocar, seus equipamentos preferidos, influências, métodos de composição e tudo mais.

Logo no início do documentário, são mostrados os três, saindo de suas casas, cada um num carro, contando suas expectativas sobre o encontro com os outros dois guitarristas. Page fala sobre como Edge e White são caras de timbre único, com muita personalidade. O documentário circula entre o encontro entre os três, onde fazem algumas jams, com takes de cada um ouvindo música, tocando algumas coisas e mostrando suas raízes como instrumentistas.

Jam do trio com violões
Já de cara, entendemos o porquê da escolha do trio, pois cada um tem um estilo peculiar, Page é um gênio, virtuoso, extremamente criativo, tira sons impressionantes de um mesmo instrumento a cada acorde, como quando ele exemplifica isso tocando “Ramble On”, com suas variações, ora suaves, ora agressivas, em que ele fala que há luz e sombra em algumas de suas canções. No entanto, The Edge é fascinado por pedaleiras e equipamentos de som e ama explorar os diversos sons que são sua marca registrada com o U2 desde sempre. Já White se mostra um pouco avesso à tecnologia, pois vê como uma facilidade de uso, exigindo menos criatividade por parte dos músicos. É muito legal ver esse contraste.

Somos transportados à Irlanda, para ver as raízes do U2, com Edge, que mostra demos dos primórdios da banda, a sala de aula que servia como palco para ensaios da banda e como tudo começou. Fala também sobre como ele foi influenciado por bandas como The Jam, The Clash e Ramones, pois ele finalmente viu alguém que falasse por sua geração no mundo da música; também vemos como Jack White ralou antes de se tornar músico, já que morava num bairro pobre e predominantemente negro, a onda era hip hop e house, tocar guitarra era visto com maus olhos por sua vizinhança, desde cedo se interessou por blues da década de 30, como Robert Johnson, e Son House, influências pouco usuais hoje em dia, que fazem dele um músico único em sua geração; já Page descreve sua clássica experiência como músico de estúdio na Grã Bretanha nos anos 60, quando participou de quase tudo que era gravado, porém sentia falto de algo mais, de criar suas próprias canções.

O discreto e brilhante The Edge

Além disso, vemos o método de composição de cada um, sendo que Page vê cada música sob uma circunstância, já que para ele as melodias e ideias surgem de forma espontânea, através de uma centelha criativa que todo artista deve ter; já The Edge gosta de testar riffs ao ar livre e conta que começou a compor por incentivo de Bono Vox durante as gravações de “War”, terceiro disco do U2, muito inspirado nas condições precárias atravessadas pela Irlanda na época; e Jack gosta de guitarras meio tortas e desafinadas, gosta de ser desafiado pelo instrumento, falou também que é preciso existir alguma luta interior ou ao seu redor, senão você precisa criar uma para obter inspiração.

White babando em Page tocando "Whole Lotta Love"
Outras partes marcantes são Page tocando “The Battle of Evermore” em frente à clássica casa utilizada como estúdio pelo Led Zeppelin na década de 70, o mesmo Jimmy tirando onda ouvindo música, com sua coleção de discos atrás e ainda ele, falando sobre o skiffle, o ritmo pré rock, que segundo ele, foi o leite materno do estilo. Vale destacar também o processo de fabricação da linda guitarra de Jack White, produzida sob encomenda para o Raconteurs.

Entre a conversa em que os músicos falam sobre sua experiência, rolam algumas jams, entre elas a cena já clássica de Page tocando o riff de “Whole Lotta Love” e The Edge e White nitidamente emocionados como que tivessem vendo algo mágico diante de si, e realmente estavam, é de arrepiar. Além dessa, Page também toca, mas dessa vez acompanhado pelos dois fazendo slide, em “In My Time of Dying”. White também dá show com “Dead Lives and the Dirty Ground” e os três fecham o documentário com violões tocando uma bela versão de “The Weight”, da The Band.
O trio amplificado

A Todo Volume é altamente recomendado a todos aqueles que admiram o instrumento das seis cordas, pois mesmo aqueles que não tocam (como eu) ficarão instigados em apalpar o instrumento mais sexy que existe como diz Jimmy Page num trecho. Inclusive, o que mais me causou estranheza ao acompanhar o documentário foi ver Jimmy Page sem empunhar uma guitarra, pois parece que ele e seu instrumento são uma coisa só, que se complementam.

Trata-se de um encontro raro de três músicos tão brilhantes quanto humildes que batalharam muito pra se tornarem o que são hoje, são verdadeiros operários da guitarra e não à toa merecem o reconhecimento que tem. Que o amor à música demonstrado pelos três inspire as novas gerações a criarem algo que se compare à obra deles no futuro.







David Oaski


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

OS LETRISTAS BRASILEIROS



Sempre vejo os críticos numa babação deslavada a caras como Bob Dylan, Neil Young e Bruce Springsteen, exaltando-os como os melhores letristas da música e tudo o mais. Realmente os caras são muito bons, até porque acho que na música cantada em inglês de um modo geral há pouco esforço por parte dos compositores em elaborar letras mais trabalhadas, de modo que esses caras juntos à dupla Bono / The Edge, Michael Stype, Leonard Cohen, David Bowie, entre alguns outros estão realmente acima da média na música pop, porém acho que os letristas de outros países fora do eixo Inglaterra / Estados Unidos também tem muita importância, tanto quanto estes figurões.

O poeta do samba Cartola

Quando ouço uma música do Bob Dylan, sempre penso: “Genial, mas tanto quanto um Cartola, por exemplo”. Não posso falar por outros países que não conheço a música, até mesmo a música dos nossos países vizinhos confesso não ser grande conhecedor, mas acho muita pretensão achar que o mundo gira em torno dos americanos e britânicos.

Os dois poetas do rock nacional
Enquanto por um lado a crítica musical brasileira lambe as bolas do Bob Dylan, desce a lenha em caras como Renato Russo e Cazuza. Não sei se por achar que nada que é do gosto popular, fora do seu mundinho hipster indie pode ser digno de respeito, os caras não conseguem enxergar que eles foram dois dos grandes letristas da música brasileira e, por que não, mundial. Afinal, quantas vezes você ouviu algo parecido com “Faroeste Caboclo”, uma historia com início, meio e fim, praticamente o roteiro de um longa metragem, todo rimado, não é pouca coisa. Além dessa, foram diversas outras composições geniais como “Índios”, “Perfeição”, “Dezesseis”, entre muitas outras.

Já Cazuza juntava poesia, rock n’ roll e linguagem das ruas como poucos. Cantou sobre suas experiências com paixão e escárnio e sem nenhum pudor, além de acumular parceiros tão brilhantes quanto ele no decorrer da carreira.

Chico Buarque - Bom moço? Nem tanto!
Ainda no rock, temos nomes como Raul Seixas, Arnaldo Antunes, Herbert Vianna, Lobão, Paulo Ricardo, entre outros que fizeram letras excelentes no decorrer da carreira, ora transmitindo mensagens políticas, ora com uma dose de lirismo e até abusando da picardia da música pop, mas sempre denotando qualidade e coerência com o que está sendo cantado.

Saindo do rock então a lista é extensa, temos os representantes da tropicália, Caetano Veloso e Gilberto Gil que compuseram “Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque”, respectivamente; Chico Buarque, que apesar da pose de bom moço transmitia diversas mensagens cifradas contra ditadura em suas letras; Gozaguinha que tinha um refinamento único pra falar tanto de amor, quanto das mazelas da nossa sociedade; a poesia visceral de Cartola; entre muitos outros.
Gonzaguinha e suas letras refinadas

Não tenho muita moral pra falar sobre valorização da cultura gringa, porque amo o cinema de Hollywood, a literatura estrangeira e confesso ouvir mais música internacional do que nacional, mas nesse aspecto, o dos letristas, somos privilegiados e deveríamos valorizar mais nossos artistas, sem desmerecer os gringos, mas sabendo o devido lugar de cada um, sem endeusar um, nem diminuir o outro.

A verdade é que Bob Dylan não é o melhor letrista do mundo, é um dos muitos acima da média e a meu ver crítico musical tem que saber analisar todo um contexto, ao invés de sobrepor seu gosto pessoal como verdade absoluta.



 

Vídeo de "Comportamento Geral", de Gonzaguinha, feita na época para a ditadura, mas ainda  soa extremamente atual. Uma das grandes letras da música brasileira.



David Oaski

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

PÉROLAS QUE O TEMPO ESQUECEU: VANGUARDA PAULISTA



A Vanguarda Paulista foi um movimento cultural surgido na capital paulista no final dos anos 70, durando até meados dos anos 80, e se caracterizava por ser totalmente independente numa época em que as gravadoras ditavam as regras no mercado fonográfico nacional.

Arrigo Barnabé, o Frank Zappa brasileiro
Surgido ao redor da USP e tendo como abrigo mais constante o célebre teatro Lira Paulistana (que depois viraria também gravadora), os artistas se destacavam mais pela distinção do que predominava as rádios na época do que por alguma característica comum a todos os artistas.

O genial marginal Itamar Assumpção
Os principais membros da Vanguarda Paulista foram Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e os grupos Rumo, Premeditando o Breque e Língua de Trapo. O marco inicial do que viria a se tornar o movimento foi o lançamento de “Clara Crocodilo”, de Arrigo Barnabé em 1980, cujo som era totalmente alternativo e causa estranhamento aos ouvidos mais ingênuos até hoje, imagine três décadas atrás.

Arrigo fazia um som altamente experimental, abusando de instrumentos inusitados, harmonias sem nenhum apelo comercial, de modo que é considerado por alguns o Frank Zappa brasileiro. Já Itamar (1949-2003) seguia pela mesma linha – tendo tocado inclusive como baixista na banda de Arrigo -, porém com letras brilhantes, com fraseados que viriam a influenciar o rap, tendo sido regravado por inúmeros artistas como Cássia Eller e Zélia Duncan.

Parceiros (Arrigo e Itamar)
Já o grupo Rumo era incrível, possuía melodias trabalhadas, com influência de MPB e música regional, com canções ora sutis, ora mais animadas, e boas melodias vocais. Ouvindo o som do Rumo é impossível não associá-los a artistas contemporâneos como Tulipa Ruiz, Los Hermanos, Marisa Monte, entre outros. Dos membros da Vanguarda, o Rumo era talvez o único com potencial comercial.

Rumo, com a cult Ná Ozzetti nos vocais
Além destes, haviam também o grupo pop rock com letras irreverentes Língua de Trapo e o também irreverente, porém com mais influência de música regional e samba, Premeditando o Breque (atual Premê), que chegou a lançar dois LPs com produção do Lulu Santos. Havia também outros cantores, cantoras e grupos que rodeavam esse quinteto principal do movimento, porém sem maior destaque.

Todos os artistas citados tiveram participação marcante nos festivais de música, ainda tradicionais na época, tendo despertado interesse de grandes nomes da MPB, como Elis Regina e Caetano Veloso. No entanto, nenhum artista da Vanguarda obteve o devido reconhecimento à época, já que sem apoio de grandes gravadoras ou empresários, eles sempre viveram às margens do som mais convencional das rádios, tendo ficado reservado aos que frequentavam e remexiam o underground paulista da época.
A irreverência do Língua de Trapo

É curioso notar que hoje em dia ser um artista independente é quase um hype e já se tornou um fato normal, pois vivemos uma época de declínio vertiginoso das gravadoras. Porém na época, ser artista independente no Brasil era tratado por muitos como marginalidade, pois vivíamos num regime ditatorial rígido, além é claro do controle total da música por parte das gravadoras através do conhecido ‘jabá’ (verba destinada às rádios pelas gravadoras para tocarem os singles de seus artistas).
O Premeditando o Breque funde humor e qualidade sonora

Analisando hoje cada artista que fez parte daquele efervescente movimento, notamos que Arrigo realmente fazia um som muito experimental e realmente de difícil acesso, apesar de se mostrar um músico extremamente criativo e ousado; já os grupos Língua de Trapo e Premeditando o Breque eram mais singelos e faziam um som mais descompromissado, apesar do requinte musical do segundo; no entanto o Rumo e Itamar Assumpção deveriam ter muito mais reconhecimento, pois direta ou indiretamente influenciaram um sem número de artistas que vieram depois deles.

A maior lição que a Vanguarda Paulista deixou, além do vasto e rico legado musical, foi de fazer o que acreditavam, independente do momento totalmente adverso, não se rendendo a qualquer imposição estética ou sonora, se mantendo fiel aos seus princípios.

Os mais puristas podem pensar que eles estavam no lugar errado, na hora errada. Já eu prefiro acreditar que se eles estivessem em qualquer outro lugar, em qualquer outro momento não teriam feito tudo que fizeram, pois o que eles queriam era confundir, bagunçar o coreto de uma música nacional cada vez mais careta, abrindo caminho para toda geração do rock nacional que viria a explodir anos depois.

Que os curiosos e saudosos nunca deixem morrer a obra e o legado da Vanguarda Paulista.



David Oaski

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A COMPLEXIDADE DA SIMPLICIDADE


Saber tocar um instrumento é um dom. Dominar um instrumento então é uma dádiva. Confesso que sinto uma inveja branca dos que carregam consigo essa capacidade, fico imaginando como deve ser maravilhoso dar vazão às opiniões, angústias e sentimentos através de uma canção própria, criando sua letra e melodia, realmente deve ser uma experiência fantástica.

Existem alguns tipos de músicos, aqueles que são virtuosos ao extremo, como aqueles guitarristas que tocam sessenta milhões de acordes em um minuto, ou aqueles bateristas em que mal é possível ouvir o intervalo entre as porradas das baquetas ou aqueles caras que tem agudos capazes de quebrar vidraças e etc. Há também aqueles músicos mais discretos, introspectivos por natureza, que prezam pelo minimalismo pra fazer canções que agradem primeiramente a si próprio e, quem sabe, depois os outros também ouçam. Mas os tipos de músicos mais especiais são aqueles que conseguem transformar uma combinação simples entre letra e melodia em hinos inesquecíveis.

Inúmeros músicos habilidosos e com total domínio do seu instrumento fazem canções elaboradíssimas, com arranjos fenomenais e super trabalhados e cantam somente para nichos, muitas vezes não alcançando muito mais que uma carreira amadora.

É tão simples que chega a ser complexo como os Beatles (pra ficar no exemplo mais óbvio), consegue ultrapassar gerações com suas melodias singelas, frutos da parceria entre John Lennon e Paul MacCartney. As letras da banda falam das diversas emoções que passamos no decorrer da vida, além de alguns devaneios, mas é de entendimento geral que nenhum dos quatro rapazes de Liverpool eram músicos geniais tecnicamente falando, no entanto eram brilhantes no que diz respeito ao feeling e talento nato para composições, vide suas músicas gerarem interesse em qualquer garoto que se aproxime do som da banda ou a quantidade absurda de discos que o grupo ainda vende, mesmo após décadas desde o final da banda.

Os exemplos não param por aí. No mainstream da música mundial atual são poucos os músicos que realmente dominam plenamente seu instrumento, mas não veja isso como uma coisa ruim, pois muitas das bandas tidas como clássicas também não eram excepcionais tecnicamente. Por exemplo, quem é o músico fantástico do Rolling Stones? Keith Ricards é o cara do feeling, da guitarra com seu timbre único, reconhecível a quilômetros de distância, mas passa longe do virtuosismo de Jimi Hendrix ou Jimmy Page. Outros exemplos de grandes músicos que tem canções intrincadas na memória pop mundial para todo sempre são U2, R.E.M., Oasis, The Clash, Ramones, entre muitos e muitos outros.

Não estou aqui dizendo que não é preciso técnica para se construir uma carreira sólida, estou dizendo que muitos artistas o fazem substituindo tais habilidades pelo feeling e talento. Mas claro, vale lembrar que também existem artistas geniais com seus instrumentos que se tornaram clássicos, como o Led Zeppelin, o Metallica, o Rush, o Pink Floyd, entre outros.

A verdade é que não tem muita lógica, às vezes uma música bate e já era, ela se torna especial pra você e não há mais como reverter esse processo. Mas é fato que existem bandas que conseguem despertar essa sensação em mais pessoas.

Transmita as músicas dos ouvidos para o coração e não para a cabeça e a experiência será muito mais completa, pode ter certeza. Nunca, jamais sinta algum incomodo por gostar de determinada banda ou som, pois isso simplesmente não se explica, se sente.





David Oaski


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

RESENHA: A VISITA CRUEL DO TEMPO - JENNIFER EGAN

Capa do livro, que saiu no Brasil pela Editora Intrínseca


Nota: 7,0

Este livro talvez seja o grande destaque da literatura adulta nos últimos anos. Méritos da autora norte americana Jennifer Egan, lançado em 2011, vencedor do cobiçado prêmio Pulitzer, a obra une histórias de diversos personagens entre a década de 70 e o final da década da atual, formando um caleidoscópio entre eles, na maior parte tendo como pano de fundo, a indústria da música e do entretenimento.

O personagem mais constante do livro é Sasha, que é apresentada como secretária de Bennie Salazar, um figurão da indústria da música, responsável por descobrir a bem sucedida banda punk The Conduits. Sasha é cleptomaníaca e faz terapia pra tentar curar tal distúrbio, fora isso leva uma vida normal, como uma jovem buscando ganhar a vida em Nova York.

Após à introdução à Sasha, nos é apresentado Bennie mais a fundo, um coroa, que havia deixado seu sonho de ser músico de lado para montar uma gravadora. Bennie tem uma relação complicada com seu filho e está recém divorciado e se lembra com nostalgia dos seus tempos de criança, quando tinha uma banda, ao lado de Scott, seu melhor amigo na época e um grupo de amigas que ajudavam e até participavam da banda.

A premiada autora Jennifer Egan
A partir daí cada capítulo caminha pra uma época e um ou mais personagens, sempre tendo uma história em destaque, entre eles os membros da turma de Bennie e adjacentes, a vida conturbada de Sasha, que fugiu de casa na juventude, acabando por morar em Nápoles, Itália, onde fazia de tudo para se manter.

O tema central da história é a passagem do tempo e como somos afetados por ele, como nossos sonhos se dissolvem, como deixamos de ser o que éramos e nos tornamos uma pessoa totalmente diferente, como a vida dá voltas malucas e nos vemos pertencendo à círculos sociais com os quais jamais imaginamos fazendo parte e, por outro lado, como conseguimos apesar de tudo seguir em frente e montar família, ter outras prioridades que acabam justificando (ou não) a mudança de rumo que o tempo, cruel como o título sugere, nos faz seguir.

O livro é muito bem escrito e a maioria dos capítulos tem leitura agradável, que prende o leitor e o deixa curioso em saber o desfecho de cada personagem. A autora abre, a cada capítulo, novas abas com personagens inesperados, que vão de figurantes a protagonistas entre os capítulos, formando um interessante cenário maior, que mostra a passagem dos anos para diferentes personagens e como a história de vida de cada um, as situações e o jeito de ver o mundo de cada um influenciou para que chegassem naquele ponto da história.

O que mais me surpreendeu é que a autora conseguiu alinhavar de forma muito competente as histórias, mesmo quando você pensa que ela se perdeu, ela volta com um elo, que faz todo sentido. Por exemplo, o personagem Alex é apresentado no primeiro capítulo como um caso superficial de Sasha, durante um jantar e ida à casa da mesma, onde acabam transando. Alex volta no último capítulo como arranjador de público para o show de Scott, que está sendo agenciado por Bennie, ou seja, tudo muito bem alinhavado.

Outro fato interessante é como a autora conseguiu embutir no seu último capítulo fatores que mostram a futilidade da direção que nossa geração está encaminhando, com o distanciamento causado pelas redes sociais e toda superficialidade e desvio de princípios que tem crescido na sociedade atual.

Não sei se o livro é digno de todo esse hype que se criou ao seu redor, mas o fato é que A Visita Cruel do Tempo diverte e, ao mesmo tempo faz pensar, sobre a implacabilidade do tempo e o mais importante, nos faz olhar a nossa volta e nos questionar se é isso mesmo que queríamos ser, senão devemos mudar o rumo totalmente enquanto é tempo. E, finalmente chegarmos à conclusão que não temos como controlar nada disso. Como diz uma das passagens do livro:

- O tempo é cruel, não é? Vai deixar ele te intimidar?




David Oaski





terça-feira, 15 de janeiro de 2013

PRATIQUE A EMPATIA



“Tudo que você faz um dia volta pra você e se você fizer o mal, com o mal um dia você vai ter que viver”. Essa frase é de Renato Russo e trata-se de um dos versos da canção “Bumerangue Blues”, gravada pelo Barão Vermelho no álbum “Declare Guerra”, de 1986. A música como o título sugere fala sobre como tudo que você recebe nada mais é do que o retorno do que você proporciona ou proporcionou, ou seja, é a velha história, se você planta o bem, irá colher o bem e se plantar o mal, irá colher o mal.

Numa pesquisa rápida via Google, uma das definições encontradas para empatia é a seguinte: ‘Capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela’.

A questão que quero chegar é a seguinte: Até que ponto você se coloca no lugar dos outros nas suas relações interpessoais ou até mesmo nas opiniões e julgamentos que emite?

Pouco se fala nesse viés da personalidade humana tão pouco praticado atualmente. Infelizmente cada vez menos pensamos como a pessoa se sentiu ao tomar decisão ou quais problemas ela enfrenta ou até mesmo sua história de vida. Muitas vezes simplesmente vomitamos nossa opinião, sem analisar que em certas circunstâncias talvez tivéssemos agido da mesma forma.

Discussões e desentendimentos ocorrem, faz parte da natureza humana, mas se soubermos exercitar a empatia podemos nos tornar pessoas muito melhores, mais compreensivas e mais fáceis de relacionar.

Claro que em certos momentos temos de ser egoístas e olhar para nós mesmo acima de tudo, mas em outros diversos momentos é possível dosar o individualismo com uma dose de bom senso e empatia.

Procure saber como sua mãe, seu pai, filho, esposa, amigo ou funcionário se sente com relação às situações e a vida de um modo geral, numa análise mais ampla e faça o possível para entender que as pessoas são diferentes e as motivações que geram suas atitudes também.

Como dizia Kurt Cobain: “Paz, amor e empatia”.



David Oaski

sábado, 12 de janeiro de 2013

TACITURNO



Ontem velhos demônios vieram me visitar. De tempos em tempos eles voltam. Acredito que para lembrar de quão ruins as coisas já estiveram e como devemos ser gratos por cada minuto em que estamos bem nesse mundo.

Não sei se é Deus brincando com suas ovelhas; se é o tempo nos lembrando do quanto ele é traiçoeiro e implacável; ou ainda simplesmente nosso subconsciente nos pregando uma peça.
Prefiro recebe-los bem, como velhos amigos, talvez aqueles que você não quisesse muito encontrar, mas que de certa forma (uma forma torta, diga-se de passagem) lhe fizeram crescer num determinado momento.

Fiquem quanto precisarem, mas quando saírem, que demorem bastante a voltar. E que a cada visita eu possa aprender mais um pouco sobre mim.



David Oaski

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

PARABÉNS JIMMY PAGE. PELO SEU ANIVERSÁRIO E PELA SUA OBRA



Jimmy Page completa hoje 69 anos. Esse genial guitar hero britânico fundador de uma das maiores bandas de todos os tempos, o Led Zeppelin e que brinda ouvidos há décadas com seu talento, habilidade e timbre único, dignos do gênio que ele é.

Além de ser um dos guitarristas mais queridos do público de rock, também é considerado pela crítica especializada um dos melhores no instrumento das seis cordas em todos os tempos, comumente ficando somente atrás de Jimi Hendrix e Eric Clapton, quando muito.

Page iniciou sua carreira como músico profissional no começo da década de 60, participando de inúmeras gravações, sendo que apesar de algumas controvérsias sobre a participação ou não do músico em algumas gravações, é certo que ele colaborou com gente do calibre de Rolling Stones, The Who, The Kinks e Eric Clapton, tendo participado de cerca de 60% (!) das gravações de rock produzidas entre 1963 e 1966. Toda essa experiência como coadjuvante serviu para que Jimmy acumulasse bagagem e para que atingisse o máximo do seu potencial técnico e criativo nos anos seguintes.

Após essa fase, já cansado da rotina de músico de estúdio, Page aceita um segundo convite para entrar para a banda The Yardbirds, que já havia tido em sua formação Eric Clapton e contava com seu amigo Jeff Beck. Apesar da formação cheia de talento, a banda nunca conseguiu grande repercussão comercial e as divergências sobre os rumos sonoros do grupo ocasionaram seu fim. Page então decidiu continuar com o nome da banda, incluindo apenas uma palavra: The New Yardbirds.

Após algumas mudanças em sua formação, o New Yardbirds encontrou a composição que seria a formação clássica do Led Zeppelin, com Page, Robert Plant, John Paul Jones e John Bonham. Já no primeiro ensaio, resolveram desvincular-se do nome da antiga banda e batizaram com o nome clássico. A química fluiu de imediato e a partir daí toda a experiência e talento de Page encabeçariam de maneira genial as composições da banda.

Auxiliado pelos três excelentes e talentosos companheiros, lançou nove álbuns de estúdio oficiais (sendo o último, “Coda” com sobras de estúdio), incluindo os clássicos “Led Zeppelin IV” e “Physical Graffiti”, obras primas do rock. Ao longo de dez anos, foram composições repletas de inspiração, com boas doses de psicodelia em diversos momentos, com influências de blues, rock, reggae, funk, música celta, erudita e tudo mais que pintasse na frente da poderosa banda. Além dos discos, foram infinitas apresentações épicas, com horas de duração e banda e plateia em total sintonia, gerando uma catarse única com o poder das canções chapadas e viajantes da banda. A banda também possuía toda uma áurea misteriosa em torno de si, já que haviam fortes rumores do envolvimento de Page com magia negra, o que até certo ponto é verdade, já que ele realmente demonstrava grande interesse pelo assunto na época.

A banda terminou em 1980, com a morte de John Bonham, sufocado em seu próprio vômito após uma bebedeira. Os integrantes remanescentes concluíram que seria impossível continuar com a banda sem um dos quatro integrantes originais, o que se mostrou uma decisão acertada, pois além do argumento ser verdadeiro, a banda já não se encontrava no auge criativo e com a ascensão do movimento punk rock no final dos anos 70 não se sabe o que aconteceria com a banda. Ou seja, eles pararam na hora certa.

Após o fim da banda, eles se reuniram ocasionalmente em alguns eventos especiais, incluindo uma apresentação que virou DVD no final do ano passado, gravado em 2007, na O2 Arena, em Londres, com Jason Bonham na bateria (filho de John), mostrando que a mágica e a química entre os integrantes sobreviveu intacta ao decorrer dos anos.

Nesse intervalo, Page se envolveu em alguns outros projetos, como os supergrupos The Honeydrippers (formado por Plant com diversos músicos convidados) e o The Firm (que tinha como vocalista, o brilhante Paul Rodgers, ex Free e Bad Company). Além de um disco acústico Mtv ao lado de Robert Plant nos anos 90.

Genial. Não há definição melhor para Jimmy Page. Esse cara nos deixou uma herança eterna através da grande banda que formou, obras como “Stairway to Heaven”, “Kashmir” e “Rock And Roll” rodearão para sempre a cultura pop transformando a arte do Led Zeppelin e, principalmente de Page, em eterna. Portanto, apesar dos 69 anos completos hoje, Jimmy Page e seu zepelim de chumbo são eternos.

Parabéns Jimmy Page, não só pelo aniversário, mas também por toda contribuição à cultura da nossa raça humana. Em nome de todas as pessoas que se acalmam e mudam o estado de espírito ao ouvir um solo, um riff ou um acorde seu que seja, eu o agradeço.




David Oaski

               

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

RESENHA: CAPITAL INICIAL - SATURNO



Nota: 7,0

Realmente após o Acústico Mtv, lançado em 2.000, a banda brasiliense Capital Inicial deu uma guinada pop (no pior sentido da coisa) em seu som, eram discos lançados ao que parece sem muito capricho, com composições fracas e, em certos momentos, até constrangedoras, como muitas das músicas dos álbuns: “Rosas e Vinho Tinto” (2.002), “Gigante” (2.004) e “Eu Nunca Disse Adeus” (2.007).

Porém de uma forma até injusta muitos se esqueceram da relevância de todo o resto da discografia da banda, afinal já são 30 anos de carreira e definitivamente a banda acertou mais do que errou nessa longa jornada.

No mínimo, os cinco primeiros álbuns da banda tem suas virtudes e qualidades, mesmo não tendo colocado a banda no patamar do primeiro time do rock nacional na época. Além disso, o Acústico Mtv, mesmo se tratando de uma compilação, é um disco espetacular, ouso dizer que um dos melhores já gravados por uma banda de rock nacional, pois além de ter ótimas melodias, mostrou uma banda coesa, com repertório forte e canções pop sem forçar a barra, o que resultou na maior vendagem da história da banda (pra lá de um milhão de discos vendidos).

A banda lançou no final do ano passado seu mais recente álbum: “Saturno”, sucessor do bom “Das Kapital” (2010), que já mostrava uma banda mais interessada em soar algo além de um arremedo pop, com ares de The Killers e rocks de qualidade, a banda mostrou que ainda tinha lenha a queimar, superando as expectativas com o lançamento atual.

O disco (apesar da capa tosca) traz toda a energia, trazida principalmente pelo vocalista carismático Dinho Ouro Preto, a consistência rítmica da cozinha formada pelos irmãos Flávio Lemos (baixo) e Fê Lemos (bateria), mas o grande destaque do álbum são as guitarras de Yves Passarell.

A banda em diversos momentos lembra a sonoridade de bandas do pop rock atual, mostrando que segue antenada com os sons atuais, como Muse, The Killers, Green Day e The Strokes.

Dentre os rocks, destacam-se “Saquear Brasília”, uma rara letra de protesto, que eram tão comuns nos anos 80, hoje em dia estão em extinção devido às bandas daquela época terem virado bunda moles e as atuais sequer se importarem com algo além de seu penteado. “Água e Vinho” também é muito interessante, com ótima guitarra permeando a canção e a letra relacionando antônimos na mesma frase. Além dessas “Um Homem Sem Rosto” e “Apocalipse Agora” seguem a linha, mantendo a energia do disco, com melodia mais acelerada, numa espécie de pop punk.

As duas melhores faixas do disco são “Cristo Redentor” e “A Valsa do Inferno”, sendo a primeira a melhor letra da banda em muitos anos, tratando da ganância e conquista dos objetivos a qualquer preço; já a segunda é uma espécie de marcha, com ótimas guitarras e boa performance de Dinho, que parece ter recuperado sua voz após o acidente.

As baladas melancólicas do disco, o primeiro single “O Lado Escuro da Lua” e “Saturno” diferem numa coisa básica, enquanto a primeira é muito legal, com refrão marcante a segunda soa um pouco cansativa. “Noites em Branco” também parece não dizer a que veio, parece que a voz de Dinho não casa com esse tipo de canção, soando um tanto forçado em alguns momentos.
Ainda há espaço para “Poucas Horas” que inicia suave e fica mais pesada, com um ótimo solo e ideal para ouvir bem alto no som do carro; “Eu Ouço Vozes” que também possui boa melodia e a dispensável “Sol Entre Nuvens”.

O mais importante ao analisar esse álbum é notar que a banda, apesar de algumas escorregadas, alcança seu objetivo, entrega um bom disco pop rock, com algumas pérolas na discografia da banda. Como todos os outros álbuns do Capital Inicial, não é impecável, mas trata-se de uma banda talentosa e carismática que tenta a muito tempo manter acesa a ideologia do rock no mainstream brasileiro.

Se você gosta de rock nacional, vale a audição. Se você não gosta dos caras devido ao som, eu te respeito. Agora, se você não gosta dos caras porque eles fazem sucesso, então volte para sua caverna empoeirada e ouça seus discos obscuros em paz.

O Capital Inicial conseguiu se mostrar muito mais relevante que a nova geração do rock, mostrando que ainda há estrada para esses coroas que parecem nunca envelhecer. Realmente parece que aquela história de que rock n’ roll rejuvenesce procede.




David Oaski

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

COMUNICADO SOBRE O FIM DO SERTANEJO UNIVERSITÁRIO















Brasília, 02 de janeiro de 2013.


COMUNICADO


O Ministério da Cultura vem através deste comunicado, em caráter de urgência informar a proibição da veiculação, reprodução, gravação e apresentação de artistas dos seguintes gêneros musicais: sertanejo universitário, funk (não sendo clássico) e pagode em qualquer que seja o ambiente, sob pena de multa e prisão para casos de reincidência.

O fato se dá devido a termos notado no decorrer dos anos quanto mal tem feito à nossa sociedade esses movimentos culturais que nos assolam de tempos em tempos, vide axé, lambada e afins. Além de não acrescentarem absolutamente nada culturalmente, essas músicas pregam pela alienação total de seus consumidores, que induz estes a um comportamento social cada vez mais passivo, além de pouco interesse em música de qualidade, bons filmes e a quase extinção de brasileiros com gosto pela literatura.


Todos aqueles que tiveram contato com os estilos citados nos últimos anos deverão ficar em quarentena, onde terão que ler no mínimo três livros, elaborando uma resenha sobre cada um deles. Caso a resenha não seja aprovada, o procedimento se repete até ser alcançado o êxito do projeto.


Visamos com esse ato, não comprometer a liberdade de expressão, tampouco o livre arbítrio, mas sim elevar o grau de critério e discernimento para os cidadãos de um modo geral. Queremos um povo inteligente e artistas que tenham algo a dizer. 



Sem mais para o momento. 




Marta Suplicy

Ministra da Cultura