Nota 10
Clube da Luta é um livro escrito por Chuck Palahniuk lançado
em 1996, considerado um dos clássicos recentes da literatura, talvez a
principal referência cultural oriunda do universo literário nos anos 90.
O personagem central e narrador da história não tem seu nome
revelado pelo autor, porém vai se apresentando como um cidadão padrão, possui
um bom emprego, é executivo numa montadora de veículos e cuida dos recalls, faz
relatórios, elabora apresentações e todas as chatices inerentes à vida de um
executivo. Ele mora sozinho num apartamento, confortável com mobília e
equipamentos de primeira qualidade.
Nosso protagonista vem sofrendo com insônia, é engraçado como
ele descreve essa situação, dizendo algumas vezes que a insônia te afasta de
tudo, você não parece realmente estar sentindo nada, fica blasé às situações do
dia a dia. Indo ao médico, ele solicita remédios que facilitem suas noites de
agonia, porém o médico diz que ele precisa de sono normal, e recomenda que ele
faça mais exercícios para que durma naturalmente.
Ele descobre um jeito surreal de voltar a dormir bem, passa a
frequentar grupos de apoio a diversas doenças, como câncer, parasitas
cerebrais, entre outras doenças gravíssimas. Nesses grupos de apoio, de uma
maneira completamente torta, ele vê que seus problemas são fichinha perto de
quem vê a vida escapar de suas mãos um pouco mais a cada dia. Ele ocupa todos
os dias da semana, indo a sessões, compartilhando abraços, ouvindo histórias e
se sentindo superior aos outros, de certa forma, por não ter nenhuma doença
daquelas que todos se lamentavam. No entanto, tudo muda, quando ele nota que
uma mulher vem fazendo a mesma sabatina que ele, todos os dias, todos horários,
então ambos sabem que são farsantes, mas aquilo tira a paz do narrador, que a
partir do momento que a mulher, Marla Singer, entra em cena, volta a sofrer com
a insônia e sente uma vontade incontrolável de desmascarar a impostora, mas sempre
se lembra que também é um impostor, então hesita, mas consegue se aproximar
dela e combina um esquema de revezamento nos grupos, porém a insônia volta e
ele acaba se afastando desse hábito.
Entre essas sessões, surge um personagem, Bob, ele é um ex
halterofilista que frequenta o grupo de câncer nos testículos. Numa das
sessões, o narrador narra de forma curiosa um abraço de Bob e simpatiza com o
grandalhão, que se mostra uma figura carismática.
A grande mudança na vida do personagem central se dá quando
ele conhece Tyler Durden, um cara carismático, totalmente seguro e sem crença
nenhuma no modelo atual da sociedade. O encontro se dá numa praia nudista e os
dois se tornam amigos. Numa das viagens a serviço, ao voltar pra casa, o
protagonista descobre que seu apartamento havia explodido, num possível
vazamento de gás. Ele então pede para Tyler para ir morar junto com ele durante
um tempo, então Tyler fala que topa, com uma condição, que ele bata nele o mais
forte que puder, nesse momento ambos vão pra fora do bar onde conversavam e
após alguma hesitação começam a trocar socos, logo se forma uma roda e todos
incentivam e parecem extasiados de empolgação com o que veem, surgia assim, o
clube da luta. O que era uma cena patética protagonizada pelos dois, se tornou
uma reunião semanal, que iria crescer de forma assustadora nos próximos
eventos.
Enquanto os dois moram juntos, é apresentado mais sobre
Tyler, ele produz sabão de forma quase artesanal, realizando todo o processo,
rendendo um bom dinheiro ao mesmo. Ele também faz bicos de garçom alguns dias
na semana, além de trabalhar num cinema projetando os filmes. Nas duas últimas
funções, há particularidades sensacionais, sendo que como garçom ele faz
questão de cuspir, passar o pau e avacalhar de alguma forma a comida dos
granfinos. Há uma passagem genial em que, durante uma festa na casa de um casal
milionário, ele põe um bilhete dizendo que mijou em dos perfumes da coleção da
dona da casa, despertando a ira da mesma, que quase se mata. Já no cinema,
Tyler antes de trocar o rolo de cada sequencia do filme, põe passagens de
filmes pornôs, que passam em milésimos de segundo na grande tela, sendo
imperceptível aos expectadores, porém captado de alguma forma pela retina, quem
sabe, o que vale é o espírito de devastação dele.
Marla Singer passa a ter um caso com Tyler, o que deixa o
narrador bastante irritado, pois além de não suportá-la, os gemidos dos dois
transando são potentes. Ele estranha que nunca vê os dois juntos com ele,
sempre separados, ou um ou outro e percebe que sabe de tudo o que Tyler sabe,
como se soubesse da vida dele por inteiro. Porém Marla é muito problemática,
assim como todos os personagens do livro, chegando a ligar para o narrador
ameaçando se suicidar, de forma que ele estranha o por quê de contatar ele e
não Tyler, mas de qualquer forma ele evita a tragédia.
Paralelo a tudo isso, as reuniões do Clube da Luta ficam cada
vez mais intensas, com Tyler sendo o principal líder do grupo, ele era
respeitado por todos e muito cultuado. Com o crescimento, surge a necessidade
de criar algumas diretrizes para garantir o bom andamento do clube, surgem
então as sensacionais sete regras do Clube da Luta, que são as seguintes:
- Primeira Regra: Você não fala sobre o Clube da Luta;
- Segunda Regra: Você não fala sobre o Clube da Luta;
- Terceira Regra: Quando alguém diz ‘para’ ou fica inconsciente (mesmo que esteja fingindo) a luta acaba;
- Quarta Regra: Só dois caras por luta;
- Quinta Regra: Uma luta por vez;
- Sexta Regra: Luta-se descalço e sem camisa;
- Sétima Regra: As lutas duram o quanto tiverem que durar;
- Oitava Regra: Se é sua primeira noite no Clube da Luta, você TEM que lutar.
A descrição das lutas são sensacionais, com boca no concreto,
espancamentos brutais e pessoas saindo completamente arrebentadas de seus
combates, porém a procura pelo clube cresce continuamente, rompendo com a
primeira e segunda regras. O narrador fica sempre fodido, com um ferimento
dentro da bochecha que incomoda bastante, mas já se tornou rotina. No trabalho,
ele passa mais tempo cuidando do Clube da Luta do que se concentrando na
burocracia chata de sua função, ele redige textos escritos à mão por Tyler e
tira cópias, numa dessas vezes seu chefe pega um dos papéis e o questiona de
forma brusca, o narrador o ameaça mencionando todos os podres da companhia, o
que faz seu chefe recuar e nunca mais questionar nada.
Com a ascensão contínua do Clube da Luta, surge um outro
movimento também idealizado e gerido por Tyler, o Projeto Desordem e Destruição
que constrói uma espécie de exército especializado em destruir, anarquizar com
tudo que fosse possível. Os integrantes do grupo vão morar na casa de Tyler e
do narrador, onde cada um exerce uma função específica, leem textos
encorajadores a destruir a sociedade. O narrador os trata pela alcunha de
macacos espaciais devido a forma mecânica como eles agem. O projeto também
possui algumas regras que são as seguintes:
- Primeira Regra: Você não faz perguntas;
- Segunda Regra: Você não faz perguntas;
- Terceira Regra: Sem desculpas;
- Quarta Regra: Sem mentiras;
- Quinta Regra: Você tem que confiar em Tyler.
Ou seja, essas regras fazem com que Tyler tenha controle
total da parada e torne a coisa um pouco perigosa, devido à natureza do
projeto. Com o avanço do projeto, surgem alguns ataques a prédios, caixas
eletrônicos e até algumas autoridades, o que deixa o narrador preocupado, pois
além de ter uma série de caras malucos dentro de sua casa, eles estão cometendo
delitos.
Nessa altura, Tyler some e o narrador passa a procura-lo em
todos os cantos, onde todos sorriem e lhe tratam como rei pela cidade, devido a
sua moral como fundador do Clube da Luta, no entanto ninguém sabe de Tyler. Ao
que parece ele passa as instruções do Projeto Desordem e Destruição por
telefone e não aparece em nenhum Clube da Luta (que já se expandiu país afora)
há algum tempo.
Durante a realização de uma tarefa do Projeto Desordem e
Destruição ocorre uma morte, era Bob, o amigo de terapia que agora fazia parte
da gangue. Esse fato faz o narrador buscar o cancelamento de tudo, tentando
cancelar o Clube da Luta, porém sem efeito, chegando inclusive a ser capturado,
ameaçado e ser quase castrado, mas foi liberado intacto.
Atenção: Spoiler,
se você ainda não leu o livro e gosta de se surpreender durante a leitura, pare
por aqui, caso já tenha lido ou não se importe com a emoção da surpresa,
continue.
Numa das andanças a procura de Tyler, o narrador chega a um
bar, onde ao ser questionado, o funcionário responde se é algum tipo de
brincadeira, pois ele é Tyler Durden, inclusive esteve no bar recentemente. Tal
informação é uma reviravolta muito grande na história, já que apesar de alguns
indícios, estávamos lidando com dois personagens. Após o momento de
atordoamento, o narrador chega a conclusão que devido ao seu estado mental
deplorável criou uma outra personalidade, que era diferente dele em alguns
sentidos, porém um cara que tinha muito em comum, era justamente o cara que ele
precisava conhecer naquele momento entediante da vida, então ele o criou. Na
verdade, naquele dia no estacionamento do bar, ele estava se estapeando
sozinho, era ele quem tinha um caso com Marla, ele possivelmente havia
explodido seu apartamento e ele era o
criador e mentor do Clube da Luta e Projeto Desordem e Destruição, por isso era
uma espécie de líder espiritual na cidade. O fato mais curioso é que ele mostra
seus documentos de identificação a Marla e seu nome sequer é Tyler Durden,
porém seu nome verdadeiro não é revelado.
Ele chega à conclusão que nas noites em que ele achava que
estava dormindo, na verdade Tyler assumia o controle e ia aos Clubes da Luta e
dava as cartas no Projeto Desordem e Destruição. Ele então pede ajuda a Marla
para que o mantenha acordado. Tyler volta a surgir e o ameaça dizendo que se
ele tomar remédios pra dormir ou inventar de se amarrar na cama terá
represálias.
Tyler planeja implantar bombas caseiras feitas com parafina
no Museu Nacional, para morrer como um mártir. Porém, Marla e o grupo de apoio
chegam e Tyler some, pois ele é uma alucinação do narrador e não dos outros.
Quando o narrador volta ao controle, ele percebe que as bombas não foram
acionadas, pois como ele diz as feitas com parafina sempre falham. Então o
narrador toma uma decisão por conta própria, atira contra si próprio, visando
matar Tyler.
No final, ele aparece supostamente num hospital psicológico,
pensando estar no paraíso, onde Deus veste um jaleco branco e tudo mais. Nas
últimas frases do livro, todos ao seu redor na clínica o parabenizam e dizem
que continua tudo certo com Projeto e que a destruição do mundo irá continuar.
Considerações Finais
Lembro de ter visto o filme dirigido por David Fincher ainda
criança, pré adolescente e ter ficado fascinado com a forma direta como a
história era contada e com a reviravolta no final. Sem contar com as atuações
brilhantes de Brad Pitt (Tyler), Edward Norton (Narrador) e Helena Bonham
Carter (Marla). Até hoje é um dos meus filmes preferidos, fácil.
Voltei a me interessar por literatura há uns dois anos e
então vi que o filme era uma adaptação de um livro, logo quis comprar o mesmo,
porém vi que a edição nacional estava esgotada nas grandes redes e o valor nas
sebos era muito alto. Quando vi a notícia de que o livro seria relançado pela
Editora Leya, fiquei muito feliz e assim que pude, comprei meu exemplar.
O livro é curto, mas a história é sensacional, Chuck
Palahniuk é um monstro escrevendo, o texto é ágil, violento e te transporta
para aquele universo surreal, além de ter umas frases de impacto sensacionais,
que fogem totalmente do bundamolismo atual das redes sociais.
Interessante também é o posfácio dessa edição, em que o autor
explica como criou a história, de forma despretensiosa numa tarde entediante no
escritório. A ideia surgiu após ele voltar de férias com um ferimento no rosto
adquirido numa briga e ninguém sequer ter perguntado o que houve, ou seja, na
sua vida pessoal você pode fazer o que bem entender, ninguém liga, desde que
você produza. Além disso, até o interesse da adaptação para o cinema, a
repercussão do livro era menor, com críticas negativas e enxergando coisas
estapafúrdias na história. Porém ele descreve todo crescimento do Clube da Luta
como ícone da cultura pop até os dias atuais.
Clube da Luta não é o livro com história mais criativa e
genial que já li, mas é o meu favorito até então. Fez muito minha cabeça e é
muito meu estilo de leitura.
Se você, como eu, curte a escrita mais direta, até informal
certas horas, com certeza você vai se amarrar e só desprender quando encerrar a
leitura.
Ainda há quem diga que não lê porque não há nada de
interessante na literatura, realmente é de dar pena.
Uma honra ter lido, ou melhor vivido por um período, esse
livro.
TYLER VIVE!
David Oaski
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