A Vanguarda Paulista foi um movimento cultural surgido na
capital paulista no final dos anos 70, durando até meados dos anos 80, e se
caracterizava por ser totalmente independente numa época em que as gravadoras
ditavam as regras no mercado fonográfico nacional.
Arrigo Barnabé, o Frank Zappa brasileiro |
Surgido ao redor da USP e tendo como abrigo mais constante o
célebre teatro Lira Paulistana (que depois viraria também gravadora), os artistas
se destacavam mais pela distinção do que predominava as rádios na época do que
por alguma característica comum a todos os artistas.
O genial marginal Itamar Assumpção |
Os principais membros da Vanguarda Paulista foram Arrigo
Barnabé, Itamar Assumpção e os grupos Rumo, Premeditando o Breque e Língua de
Trapo. O marco inicial do que viria a se tornar o movimento foi o lançamento de
“Clara Crocodilo”, de Arrigo Barnabé em 1980, cujo som era totalmente
alternativo e causa estranhamento aos ouvidos mais ingênuos até hoje, imagine
três décadas atrás.
Arrigo fazia um som altamente experimental, abusando de
instrumentos inusitados, harmonias sem nenhum apelo comercial, de modo que é
considerado por alguns o Frank Zappa brasileiro. Já Itamar (1949-2003) seguia pela mesma
linha – tendo tocado inclusive como baixista na banda de Arrigo -, porém com
letras brilhantes, com fraseados que viriam a influenciar o rap, tendo sido
regravado por inúmeros artistas como Cássia Eller e Zélia Duncan.
Parceiros (Arrigo e Itamar) |
Já o grupo Rumo era incrível, possuía melodias trabalhadas,
com influência de MPB e música regional, com canções ora sutis, ora mais
animadas, e boas melodias vocais. Ouvindo o som do Rumo é impossível não
associá-los a artistas contemporâneos como Tulipa Ruiz, Los Hermanos, Marisa
Monte, entre outros. Dos membros da Vanguarda, o Rumo era talvez o único com
potencial comercial.
Rumo, com a cult Ná Ozzetti nos vocais |
Todos os artistas citados tiveram participação marcante nos
festivais de música, ainda tradicionais na época, tendo despertado interesse de
grandes nomes da MPB, como Elis Regina e Caetano Veloso. No entanto, nenhum
artista da Vanguarda obteve o devido reconhecimento à época, já que sem apoio
de grandes gravadoras ou empresários, eles sempre viveram às margens do som
mais convencional das rádios, tendo ficado reservado aos que frequentavam e
remexiam o underground paulista da época.
A irreverência do Língua de Trapo |
É curioso notar que hoje em dia ser um artista independente é
quase um hype e já se tornou um fato normal, pois vivemos uma época de declínio
vertiginoso das gravadoras. Porém na época, ser artista independente no Brasil
era tratado por muitos como marginalidade, pois vivíamos num regime ditatorial
rígido, além é claro do controle total da música por parte das gravadoras
através do conhecido ‘jabá’ (verba destinada às rádios pelas gravadoras para
tocarem os singles de seus artistas).
O Premeditando o Breque funde humor e qualidade sonora |
Analisando hoje cada artista que fez parte daquele
efervescente movimento, notamos que Arrigo realmente fazia um som muito
experimental e realmente de difícil acesso, apesar de se mostrar um músico extremamente
criativo e ousado; já os grupos Língua de Trapo e Premeditando o Breque eram
mais singelos e faziam um som mais descompromissado, apesar do requinte musical
do segundo; no entanto o Rumo e Itamar Assumpção deveriam ter muito mais
reconhecimento, pois direta ou indiretamente influenciaram um sem número de
artistas que vieram depois deles.
A maior lição que a Vanguarda Paulista deixou, além do vasto
e rico legado musical, foi de fazer o que acreditavam, independente do momento
totalmente adverso, não se rendendo a qualquer imposição estética ou sonora, se
mantendo fiel aos seus princípios.
Os mais puristas podem pensar que eles estavam no lugar
errado, na hora errada. Já eu prefiro acreditar que se eles estivessem em
qualquer outro lugar, em qualquer outro momento não teriam feito tudo que
fizeram, pois o que eles queriam era confundir, bagunçar o coreto de uma música
nacional cada vez mais careta, abrindo caminho para toda geração do rock
nacional que viria a explodir anos depois.
Que os curiosos e saudosos nunca deixem morrer a obra e o
legado da Vanguarda Paulista.
David Oaski
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