sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

PÉROLAS QUE O TEMPO ESQUECEU: VANGUARDA PAULISTA



A Vanguarda Paulista foi um movimento cultural surgido na capital paulista no final dos anos 70, durando até meados dos anos 80, e se caracterizava por ser totalmente independente numa época em que as gravadoras ditavam as regras no mercado fonográfico nacional.

Arrigo Barnabé, o Frank Zappa brasileiro
Surgido ao redor da USP e tendo como abrigo mais constante o célebre teatro Lira Paulistana (que depois viraria também gravadora), os artistas se destacavam mais pela distinção do que predominava as rádios na época do que por alguma característica comum a todos os artistas.

O genial marginal Itamar Assumpção
Os principais membros da Vanguarda Paulista foram Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e os grupos Rumo, Premeditando o Breque e Língua de Trapo. O marco inicial do que viria a se tornar o movimento foi o lançamento de “Clara Crocodilo”, de Arrigo Barnabé em 1980, cujo som era totalmente alternativo e causa estranhamento aos ouvidos mais ingênuos até hoje, imagine três décadas atrás.

Arrigo fazia um som altamente experimental, abusando de instrumentos inusitados, harmonias sem nenhum apelo comercial, de modo que é considerado por alguns o Frank Zappa brasileiro. Já Itamar (1949-2003) seguia pela mesma linha – tendo tocado inclusive como baixista na banda de Arrigo -, porém com letras brilhantes, com fraseados que viriam a influenciar o rap, tendo sido regravado por inúmeros artistas como Cássia Eller e Zélia Duncan.

Parceiros (Arrigo e Itamar)
Já o grupo Rumo era incrível, possuía melodias trabalhadas, com influência de MPB e música regional, com canções ora sutis, ora mais animadas, e boas melodias vocais. Ouvindo o som do Rumo é impossível não associá-los a artistas contemporâneos como Tulipa Ruiz, Los Hermanos, Marisa Monte, entre outros. Dos membros da Vanguarda, o Rumo era talvez o único com potencial comercial.

Rumo, com a cult Ná Ozzetti nos vocais
Além destes, haviam também o grupo pop rock com letras irreverentes Língua de Trapo e o também irreverente, porém com mais influência de música regional e samba, Premeditando o Breque (atual Premê), que chegou a lançar dois LPs com produção do Lulu Santos. Havia também outros cantores, cantoras e grupos que rodeavam esse quinteto principal do movimento, porém sem maior destaque.

Todos os artistas citados tiveram participação marcante nos festivais de música, ainda tradicionais na época, tendo despertado interesse de grandes nomes da MPB, como Elis Regina e Caetano Veloso. No entanto, nenhum artista da Vanguarda obteve o devido reconhecimento à época, já que sem apoio de grandes gravadoras ou empresários, eles sempre viveram às margens do som mais convencional das rádios, tendo ficado reservado aos que frequentavam e remexiam o underground paulista da época.
A irreverência do Língua de Trapo

É curioso notar que hoje em dia ser um artista independente é quase um hype e já se tornou um fato normal, pois vivemos uma época de declínio vertiginoso das gravadoras. Porém na época, ser artista independente no Brasil era tratado por muitos como marginalidade, pois vivíamos num regime ditatorial rígido, além é claro do controle total da música por parte das gravadoras através do conhecido ‘jabá’ (verba destinada às rádios pelas gravadoras para tocarem os singles de seus artistas).
O Premeditando o Breque funde humor e qualidade sonora

Analisando hoje cada artista que fez parte daquele efervescente movimento, notamos que Arrigo realmente fazia um som muito experimental e realmente de difícil acesso, apesar de se mostrar um músico extremamente criativo e ousado; já os grupos Língua de Trapo e Premeditando o Breque eram mais singelos e faziam um som mais descompromissado, apesar do requinte musical do segundo; no entanto o Rumo e Itamar Assumpção deveriam ter muito mais reconhecimento, pois direta ou indiretamente influenciaram um sem número de artistas que vieram depois deles.

A maior lição que a Vanguarda Paulista deixou, além do vasto e rico legado musical, foi de fazer o que acreditavam, independente do momento totalmente adverso, não se rendendo a qualquer imposição estética ou sonora, se mantendo fiel aos seus princípios.

Os mais puristas podem pensar que eles estavam no lugar errado, na hora errada. Já eu prefiro acreditar que se eles estivessem em qualquer outro lugar, em qualquer outro momento não teriam feito tudo que fizeram, pois o que eles queriam era confundir, bagunçar o coreto de uma música nacional cada vez mais careta, abrindo caminho para toda geração do rock nacional que viria a explodir anos depois.

Que os curiosos e saudosos nunca deixem morrer a obra e o legado da Vanguarda Paulista.



David Oaski

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