Tudo começou quando um grupo de celebrados artistas da MPB,
tais como Caetano Veloso, Chico Buarque, Djavan, Gilberto Gil, Roberto Carlos e
Erasmo Carlos, anunciou que estava formando um grupo intitulado Procure Saber,
em que eles discutiriam entre outras coisas, a proibição de publicação de
biografias sem autorização prévia do biografado. Ou seja, qualquer um que
resolva relatar através de livro a vida de um indivíduo terá que obter o aval
do mesmo para publicar a obra.
De imediato, a mídia através dos jornalistas, colunistas e
blogueiros se manifestou totalmente contra a ação dos artistas, alegando se
tratar de uma ação contra o direito à liberdade de expressão. De bate pronto,
através de Paula Lavigne, empresária que gere a carreira de diversos artistas
brasileiros, inclusive seu ex-marido Caetano Veloso, o movimento rebateu
afirmando que antes da liberdade de expressão está o direito à privacidade, daí
se sucede um debate onde não há meio termo, ou se é radicalmente contra os
artistas ou contra os biógrafos.
Paula Lavigne - testa de ferro do movimento |
É realmente surpreendente ver gente do naipe de Caetano
Veloso e Gilberto Gil, que sentiram na pele os efeitos da ditadura apoiarem uma
causa que remete à censura, porém consigo entender o lado dos artistas quando
me coloco no lugar deles. Creio que ninguém em sã consciência gostaria que
fosse publicada uma biografia sua em que diversos de seus podres do passado são
contados sem dó nem piedade. Além disso, não são poucos os casos em que maus
profissionais do jornalismo / literatura se utilizam de boatos, fofocas e
mentiras como fonte de informação sem nenhum tipo de checagem ou postura
profissional.
Os jornalistas e biógrafos rebatem dizendo que uma iniciativa
do tipo desta apoiada pelo Procure Saber é muito perigosa, pois pode gerar um
mercado editorial repleto de biografias ‘chapa branca’, sem nenhum compromisso
com a verdade de fato, mas sim em agradar o biografado. Além do que seria
impossível publicar biografias de criminosos, políticos ou malfeitores em
geral, já que, se vivos não autorizariam ter seus crimes expostos e, se mortos,
dificilmente teriam os direitos liberados pela família.
Vejo argumentos toscos dos dois lados da discussão, como por
exemplo, quando Djavan cita numa coluna para um grande jornal que os biógrafos
fazem fortuna com os livros. Onde Djavan pensa que está? Esqueceu que no Brasil
a leitura é um hábito escasso. Além do mais o mesmo cantor se atrapalha na
coluna ao dizer que para o biografado seria necessário haver uma remuneração,
ou seja, não basta o autor ganhar uma miséria pela venda dos livros ainda tem
que dividir os lucros com o biografado que não colaborou em nada com a pesquisa
e publicação do livro. Absurdo.
Mário Magalhães - biógrafo de Marighella |
Vi também jornalistas misturando as coisas, atacando a figura
pessoal dos artistas e mesmo suas carreiras. O movimento é uma coisa, os
artistas são outra. Alguns jornalistas dizem que quando se é uma figura pública
não se pode exigir direito à privacidade de sua história. Será que não?
Precisamos lembrar que por trás da figura pública há um individuo como qualquer
outro. Até porque uma publicação caluniosa pode sim ser processada, mas sabe-se
que nossa justiça é morosa e uma vez que o livro vai pras prateleiras é difícil
reparar o estrago.
É realmente complexo achar um meio termo nessa discussão, por
isso acho o debate saudável, li um relato do jornalista Mário Magalhães,
blogueiros do Uol e escritor da biografia de Carlos Marighella, em que ele descreve
detalhadamente os pormenores e perrengues para se escrever uma biografia no
Brasil e realmente é uma tarefa árdua, pra poucos. Com mais empecilhos,
realmente se tornará cada vez mais difícil bons escritores se interessarem em
fazer uma biografia de um personagem marcante da nossa história, seja no âmbito
musical, da literatura, do cinema, do crime ou do cotidiano de um modo geral.
Creio que a limitação ao crivo do biografado como regra geral
não seja a solução para evitar calúnia e difamações, mas sim métodos rápidos e
eficazes impostos pela justiça como punição a escritores mal intencionados.
Já basta a ignorância em que vivemos, não precisamos da volta
da censura pra dizer o que devemos ou não ler e assistir.
David Oaski
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