quarta-feira, 23 de outubro de 2013

OS DOIS LADOS DO PROCURE SABER


Tudo começou quando um grupo de celebrados artistas da MPB, tais como Caetano Veloso, Chico Buarque, Djavan, Gilberto Gil, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, anunciou que estava formando um grupo intitulado Procure Saber, em que eles discutiriam entre outras coisas, a proibição de publicação de biografias sem autorização prévia do biografado. Ou seja, qualquer um que resolva relatar através de livro a vida de um indivíduo terá que obter o aval do mesmo para publicar a obra.

De imediato, a mídia através dos jornalistas, colunistas e blogueiros se manifestou totalmente contra a ação dos artistas, alegando se tratar de uma ação contra o direito à liberdade de expressão. De bate pronto, através de Paula Lavigne, empresária que gere a carreira de diversos artistas brasileiros, inclusive seu ex-marido Caetano Veloso, o movimento rebateu afirmando que antes da liberdade de expressão está o direito à privacidade, daí se sucede um debate onde não há meio termo, ou se é radicalmente contra os artistas ou contra os biógrafos.

Paula Lavigne - testa de ferro do movimento
É realmente surpreendente ver gente do naipe de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que sentiram na pele os efeitos da ditadura apoiarem uma causa que remete à censura, porém consigo entender o lado dos artistas quando me coloco no lugar deles. Creio que ninguém em sã consciência gostaria que fosse publicada uma biografia sua em que diversos de seus podres do passado são contados sem dó nem piedade. Além disso, não são poucos os casos em que maus profissionais do jornalismo / literatura se utilizam de boatos, fofocas e mentiras como fonte de informação sem nenhum tipo de checagem ou postura profissional.

Os jornalistas e biógrafos rebatem dizendo que uma iniciativa do tipo desta apoiada pelo Procure Saber é muito perigosa, pois pode gerar um mercado editorial repleto de biografias ‘chapa branca’, sem nenhum compromisso com a verdade de fato, mas sim em agradar o biografado. Além do que seria impossível publicar biografias de criminosos, políticos ou malfeitores em geral, já que, se vivos não autorizariam ter seus crimes expostos e, se mortos, dificilmente teriam os direitos liberados pela família.

Vejo argumentos toscos dos dois lados da discussão, como por exemplo, quando Djavan cita numa coluna para um grande jornal que os biógrafos fazem fortuna com os livros. Onde Djavan pensa que está? Esqueceu que no Brasil a leitura é um hábito escasso. Além do mais o mesmo cantor se atrapalha na coluna ao dizer que para o biografado seria necessário haver uma remuneração, ou seja, não basta o autor ganhar uma miséria pela venda dos livros ainda tem que dividir os lucros com o biografado que não colaborou em nada com a pesquisa e publicação do livro. Absurdo.

Mário Magalhães - biógrafo de Marighella
Vi também jornalistas misturando as coisas, atacando a figura pessoal dos artistas e mesmo suas carreiras. O movimento é uma coisa, os artistas são outra. Alguns jornalistas dizem que quando se é uma figura pública não se pode exigir direito à privacidade de sua história. Será que não? Precisamos lembrar que por trás da figura pública há um individuo como qualquer outro. Até porque uma publicação caluniosa pode sim ser processada, mas sabe-se que nossa justiça é morosa e uma vez que o livro vai pras prateleiras é difícil reparar o estrago.

É realmente complexo achar um meio termo nessa discussão, por isso acho o debate saudável, li um relato do jornalista Mário Magalhães, blogueiros do Uol e escritor da biografia de Carlos Marighella, em que ele descreve detalhadamente os pormenores e perrengues para se escrever uma biografia no Brasil e realmente é uma tarefa árdua, pra poucos. Com mais empecilhos, realmente se tornará cada vez mais difícil bons escritores se interessarem em fazer uma biografia de um personagem marcante da nossa história, seja no âmbito musical, da literatura, do cinema, do crime ou do cotidiano de um modo geral.

Creio que a limitação ao crivo do biografado como regra geral não seja a solução para evitar calúnia e difamações, mas sim métodos rápidos e eficazes impostos pela justiça como punição a escritores mal intencionados.

Já basta a ignorância em que vivemos, não precisamos da volta da censura pra dizer o que devemos ou não ler e assistir.


David Oaski



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